Nota do editor: No dia 22 de outubro de 1983, foi publicada na Folha de São Paulo uma entrevista com István Mészáros feita por Pepe Escobar e o poeta e crítico literário, Nelson Ascher. Mészáros vinha ao Brasil pela primeira vez a convite de José Chasin para participar do 1º Seminário de Filosofia no Nordeste intitulado “Marx – Uma Avaliação Contemporânea”, que ocorreu em João Pessoa (PB) em agosto do mesmo ano. A entrevista encontra-se no Acervo Folha e também reproduzida no Banco de dados Folha.

Reprodução da página com a entrevista impressa com István Mészáros na edição de 22 de outubro de 1983 da Folha de São Paulo.

[Abertura]

O simpático húngaro István Mèszáros, 53 anos, ensaísta e professor de filosofia na Universidade de Sussex, Inglaterra, é um praticante do ceticismo como exercício de desfascinação. Seu objetivo é saber desmontar o mecanismo de tudo, pois tudo é mecanismo, conjunto de artifícios, truques, operações. Trabalhar como relojoeiro, ver dentro, deixar de estar enganado, isto é o que conta a seus olhos. Mészáros está interessado no despedaçamento intelectual do objeto do pensamento. A dissecação pode ser amarga ou regojizada. O principal é esta tarefa de desmistificação.

Mészáros esteve cerca de duas semanas no Brasil para uma série de palestras. Participou do “1º Seminário de Filosofia no Nordeste”, sob o tema “Marx – Uma Avaliação Contemporânea”. Em João Pessoa foi uma loucura: Mészáros ficou uma hora e meia no ar, em rádio, discutindo Marx, com tradução simultânea. Mas seu assunto não é apenas filosofia e análise do marxismo. Mészáros, antes de sair da Hungria em 56, por causa da invasão dos camaradas da URSS, e se exilar na Itália depois da Inglaterra, já havia publicado dois livros: “Sátira e Realidade” e um ensaio sobre o poeta Attila Joszef. E mais: foi íntimo colaborador e amigo de Georg Lukács – o homem qu efez um raio-X da cabeça de Marx.

Nesta entrevista exclusiva concedida por Mészáros à “Folha”, há portanto dois assuntos predominantes: seu envolvimento direto com Lukács – incluindo ecos das polêmicas estético-políticos [sic] que envolveram Brecht e a Escola de Frankfurt, e Attila Joszef. Este é sem dúvida um dos maiores poetas do século. Suicidou-se em novembro de 37, aos 32 anos, jogando-se sob um trem. Influenciado por Villon, Baudelaire e Whitman, construiu um estilo autônomo e progressivo, paralelo a uma vida de militância e clandestinidade. Joszef foi incapaz de suportar o mundo, como Kleist; incapaz de suportar a obscuridade, como Rimbaud; incapaz de suportar o fascismo, como Benjamin. É imperdoável o fato de não ter sido editado no Brasil.

Nelson Ascher é um dos raríssimos conhecedores brasileiros de Joszef, do qual já publicou ensaios e traduções de poemas. Atualmente trabalha em uma dissertação de mestrado sobre o poeta. Nada mais natural que também participasse desta entrevista.

Postagem no Facebook da revista Verinottio – Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas, mostrando José Chasin e István Mészáros durante evento em João Pessoa.

Quem foi Attila Joszef? Qual era sua verdadeira posição política? Ele era um social-democrata ou simpatizava com a esquerda na URSS?

Mészáros – Foi um grande poeta enquanto viveu. De 1932 a 1937, ano do seu suicídio, foi um dos maiores poetas da época. Sempre uma figura controversa – expulso da Universidade, excluído dos círculos oficiais do Partido. É difícil no seu caso separar a lenda dos fatos. Nos anos 20, quando estava na Hungria e Arthur Koestler em Viena, promoveram uma íntima associação. Foi expulso da Universidade por subversão, como Sócrates. Representava os valores da juventude e da arrogância, em luta contra as moralidades tradicionais. Sobre sua expulsão da Universidade compôs estas linhas (jogo de palavras em húngaro, traduzido por Nelson Ascher): “Pois ensinando a toda gente/fora da escola, certamente/ venci no/ ensino”.
Depois dessa época, Joszef passou algum tempo em Viena, onde conheceu Koestler. Também conheceu Lukács. Este foi o primeiro a elogiá-lo, recomentando sua poesia já nos anos 20, Joszef foi sempre muito ligado a Lukács.

Joszef estava trabalhando a poesia na linha de Lukács em “História e Consciência de Classe?”

Lukács, como sempre, enfrentava problemas dentro do partido – dominado pela linha de Bela Kun, stalinista. Há mitologias contraditórias a respeito. Os escritores dentro da Hungria próximos ao partido representavam uma vertente literária de segunda categoria. Joszef estava contra isso, pensava por si próprio. Era a perfeita unidade entre a paixão e um homem de intelecto.

Os poetas mais transgressivos geralmente expressam pontos de vista revolucionários?

Joszef, além de grande poeta, era um revolucionário pensador político. Neste sentido, pode-se dizer que é quase único na literatura do século 20.
O conceito de Lukács no Brasil é muito baixo. Ele é visto no máximo como um humanista tedioso enquanto Brecht é o intelectual revolucionário e figura de culto. Existe também uma tentativa de reduzir Brecht à “literatura de vanguarda”.
Alguns dos maiores ensaios de Lukács são sobre poetas – O “Fausto” de Goethe, por exemplo. No século 20, ele escreveu sobre Joszef – que recusou a sua fase parisiense de vanguarda. Mas seu principal interesse era drama e romance. O ensaio sobre Kafka foi um de seus últimos trabalhos. Ele não queria trabalhr em particulares. Seu interesse era como uma obra podia ser inserida na conformação geral da cultura.
“Não se pode desmerecer Lessing porque ele não foi Hegel”. Hegel escreveu um enorme volume sobre fenômenos artísticos e literários. Nem uma palavra sobre uma obra em particular. Lukács não podia se concentrar em uma obra determinada: colocava-a em um contexto mais amplo. Em termos de estudo de filosofia seu ensaio sobre Kafka é incomparável. A contraposição com Thomas Mann é outra coisa.

Como foi seu relacionamento pessoal com Lukács?

Trabalhamos juntos muitos anos, de 49 a 56. Em uma longa entrevista que será publicada na revista “Escrita”, conto vários detalhes. Um dia ele me deu suas velhas cópias das obras de Brecht. Disse que na sua última visita à Alemanha, Brecht lhe havia oferecido uma edição de suas obras completas com dedicatória. As esposas de Brecht e Lukács também se davam muito bem. As diferenças no passado haviam sido fundamentalmente estéticas, ligadas ao tema da agitação política direta. Lukács acreditava que o trabalho literário era uma forma de atividade mediada, no que discordava totalmente de Brecht. Para Lukács, “a literatura só pode ser uma tendência”. Ele era contra a versificação de slogans políticos. Em relação a Brecht, seus julgamentos estéticos eram bastante razoáveis. Lukács era muito menos obstinado do que Brecht.

Pode-se dizer que existe uma “Escola de Budapest” no pensamento moderno com a inclusão entre outros de Agnes Heller e François Fejto?

Eu não acredito em escolas. Elas geralmente são mitologias posteriores. Há uma ótima definição da escola de Frankfurt: “Um mercador de grãos no seu leito de morte, sentindo-se extremamente culpado, lega sua fortuna para uma instituição analisar as razões do sofrimento e da exploração na humanidade, ou seja, ele mesmo”. Hoje, no ocidente, Benjamin é o mais cotado. Ele era o maior amigo de Brecht. Marcuse nunca se identificou realmente com qualquer tipo de escola. E a afinidade de pensamento entre Adorno e Horkheimer foi apenas no início. Uma vez Marcuse disse para um amigo meu – o historiador Hauser –, em uma conferência: “Adorno é muito profundo pra mim”. Toda esta mitologia é desnecessária. Walter Benjamin deve ser julgado pelos seus escritos, não por suas associações.
Adorno elogiava Lukács até este cometer o incomensurável horror de publicar suas obras na Alemanha Ocidental. Mas ele não podia mais ser publicado no Leste. Adorno usou Lukács em interesse próprio. Benjamin foi muito influenciado por Lukács – até o fim da vida. Estes são exemplos de desmistificação. Benjamin também se afeiçoava a Adorno. Seu suicídio sem dúvida tem a ver com a maneira pela qual foi tratado por esta entidade, a Escola de Frankfurt.

Como vê a cultura atualmente no Leste europeu, e quais são seus próximos projetos?

Não consigo encontrar alguma coisa de interesse na produção cultural atual do Leste europeu. Sei que os intelectuais húngaros têm maior margem de manobra do que seus colegas de países vizinhos. Acompanho alguns filmes e ouço sempre falar de uma forte tradição teatral. Agora, estou trabalhando em conceitos para a teoria da transição – as relações Leste-Oeste e a superação da atual crise econômica e política. No próximo ano, será publicado “Ideologia e Ciência Social”. também escrevi um livro sobre Sartre. Sua poesia está nos seus escritos filosóficos. É algo que infelizmente não se encontra todo dia.

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